terça-feira, 9 de agosto de 2011

Última Lembrança

Ela estava sentada na escola, olhando seu caderno. A conversa do pessoal era baixa, fazendo um som ambiente comum. O clima claro das luzes florescentes era mais frio e solitário do que esclarecedor. Por mais que se fizesse de forte e apática, ela notou que ele não estava por lá naquela manhã...

Sua garganta aperta, e ela estica sua mão para dentro da mochila, apanhando sua garrafa d’água. Dá uns três goles e percebe que a mesma praticamente acabou, se levantando e indo para fora da sala para enchê-la.

O corredor lá fora estava razoavelmente vazio, com apenas dois funcionários nos quase trezentos metros de distância. Ela segue em frente com a garrafinha em mãos e a enche de água olhando o bebedouro. Lembranças...

Seus olhos se voltam para cima, sua cabeça luta para apagar qualquer emoção daquelas lembranças. Não eram nada mais, apenas lembranças! Ela inspira fundo e pisa forte no chão ao ir ao banheiro lavar o rosto; lavar a alma.

Ela se encara no espelho com raiva. Fraca, fraca!! Por que longe dela era tão difícil manter aqueles pensamentos? Por que aquele filho de uma puta continua se importando com ela? Quantos coices são necessários para derrubar aquele moleque irritante??

Ela joga água no rosto e o esfrega com força. Não havia ninguém no banheiro para ela ter que se segurar. Seus olhos tinham lágrimas, mas ela não queria chorar... ah, o delineador. Ela não era de usar maquiagem, logo esqueceu que estava de delineador, o qual agora estava não só em seus olhos como na sua cara inteira... ela pega um papel e faz todo o ritual necessário para remover as manchas pretas da cara. Seu rosto estava rubro pela esfregada com força. Rubro como quando...

-AAARGH!! IDIOTA!!!

Ela joga o papel com força no lixo, mas o mesmo quica e cai no chão. Ela pouco se importa e se dirige explosiva para a sala. Ela sempre havia sido explosiva, não? Ela mudou em muita coisa no último mês, seria muito pedir para ela mudar nisso. Ela entra na sala e se senta  na carteira.

-Tá tudo bem? – Pergunta uma amiga na cadeira ao lado

Ela muda a expressão completamente sorrindo de modo amistoso. Seu sorriso devia ser sua maior dádiva, e ela o expressa o mais (quase) alegre possível.

-Aham! Eu só fui tirar a maquiagem, tava incomodando...

Ela contrai os lábios ao se virar. Sua orelha queimava, e isso lembrava o jeito que ele dizia que estava tendo mais uma de suas assustadoras ligações com ela. ‘Ele estava muito presente apesar de estar ausente...’ ela pensa brincando com uma folha de caderno dobrada entre os dedos.

Ela não sabia que folha era essa.

Ela a desdobra e vê o garrancho familiar. De onde veio essa carta??? Ela olha para trás colocando a carta contra o peito, mas ele não está com o amigo, nem com a outra amiga... ele foi para a escola só para colocar essa carta alí? Ela abre a folha novamente.

“Olá.
Se você está lendo isso, eu estou morto. E pelo amor de deus, leia essa carta até o fim antes de esboçar alguma reação escandalosa ou de ao menos jogar no lixo esse papel.
Tudo que está sendo escrito aqui pode parecer absurdo e fantasioso, mas de todas as pessoas que eu conheci nessa vida, você é a única que sabe a verdade que há no fantasioso, e a única que faria o que estou para te pedir.
Não é brincadeira, eu estou morto. Meu celular deve estar desligado, minha casa deve estar vazia. Nem procure meu velório, acho que não seria agradável. E eu também não sei como escrevi ou como você está recebendo essa carta. Às vezes o mundo deixa algumas leis serem quebradas por motivos maiores.
Não podemos conversar, não podemos nos ver, mas podemos nos despedir. Estarei invisível e mudo na primeira cabine no banheiro feminino, da esquerda para a direita.

Sinto muito por tudo...”

Ela contrai as sobrancelhas. Essa carta foi a maior compilação de coisas estranhas que ele já havia escrito para ela. Ele já poderia parar com essas gracinhas. Menino ridículo... e o pior é que ela se sentiu levemente preocupada... e se fosse verdade?

Absurdo, não poderia ser verdade! Ela aperta suas mãos no assento da carteira. Isso é a coisa mais ridícula que ela já quis acreditar, a coisa mais...

...ela precisava ir.

Ela se levanta e passa a ponta dos dedos nas sobrancelhas. Isso só poderia ser brincadeira. Ela não ia fazer isso. Ele não estava morto. Ele era um troll maldito, um idiota que estava apenas se divertindo às custas da bondade dela! Ela se prepara para sentar e... levanta. Ela não conseguiria jamais o fato de que realmente foi para o banheiro, mas ela não perderia nada. Se ele estivesse zoando... ele estava zoando. E ela faria algo que iria constrange-lo tanto que ele nunca mais daria as caras!!! Ela entra no banheiro e cruza os braços em desafio. Olha para o primeiro box e entra lá. Tateia à própria volta como uma inútil e se toma de raiva. Que ridícula por ter feito isso! Que...

TOC TOC

Um barulho na divisória da direita corta seu pensamento. Ela estava irritada, mas olha ao lado e estava vazio. Seu coração gela. Alguma coisa quente toca sua mão e ela tenta gritar, mas a sua voz não quer sair da garganta. Quanto mais ela tenta gritar ao ser tragada para dentro do box, mais lágrimas de desespero saem de seus olhos. Desespero pelo desconhecido, desespero pelo diferente, desespero porque era verdade e ele se foi!

A porta se fecha e se tranca, e o calor e força dele envolvem seu tórax, cintura, costas. Ela mal podia acreditar, aquilo não poderia ser real! Mas ela o tateia, ela sente seu corpo. É encostada na divisória e seu choro começa a ser acompanhado de soluços ao sentir os cabelos dele em suas mãos. Aquilo não podia ser real, mas ela não abre os olhos para saber se ela estava mesmo abraçando o nada. Ainda sim, o hálito dele exalado, aquele calor, seu cheiro... ela estava louca? Suas lágrimas diziam que não. Mas não eram só dela. Algo pinga em seu ombro esquerdo, próximo à alça da regata. Ela abre os olhos e vê uma gota de lágrima.

Leva suas mãos à boca ao perceber que não havia ninguém à sua frente, não podia o tocar, não sentia mais seu cheiro ou seu calor. Seu rosto estava seco, mas a lágrima dele continuava a rolar de seu ombro ao longo do braço...

1 comentários:

Mayumi disse...

Eu chorei.. sério. A história é linda, assim como o jeito de contá-la, achei o final perfeito, se mudasse não teria o mesmo impacto.
Parabéns. <3

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