sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Prólogo - Chovem as lágrimas de mil anjos


Era noite.

Chuva caía do céu como se Deus cuspisse escarniosamente em sua prole suja e errada. Porcos montam em corcéis prateados enquanto se alimentam dos frutos de árvores sagradas. Cães de guarda, tigres e águias se submetem a ajoelhar-se perante suas vontades e se alimentar de seus restos.

A lua não brilhava. De noite não há como sabermos se nuvens a cobrem ou ela não quer olhar o que esse mundo se tornou. Esperando o melhor, imagino que nuvens negras se colocaram em sua frente para chorar por sua dama, nos banhando em sua tristeza e tentando nos trazer um pouco de introspecção.

Eu estava caído ao lado de um celeiro, lama empapando minhas roupas e mãos enquanto eu pressionava o ferimento em meu estômago. Estava escuro, mas eu conseguia identificar a diferença entre o sangue e a água antes de se misturarem. Eu sentia o calor de meu corpo vazar junto com meus sentidos.

Mas infelizmente mesmo que os sentidos nos escapem por entre os dedos e a consciência enfraqueça, nunca ficamos na escuridão completa. Cada escolha que fazemos em vida é uma vela que acendemos, e quando a escuridão se põe à nossa frente, não podemos ignorar o brilho que está atrás. O passado está sempre lá. Sempre arranhando as laterais de nossa visão com sua luminescência amarelada para lembrar que ainda existe.

Encarar o passado é uma escolha binária: olhar ou fechar os olhos. E não importa a escolha, ele sempre estará lá.

Cada vela que acendi se passava diante de meus olhos. Parecia que eu era capaz de reviver dias de meu passado entre cada batida de meu coração e cada cuspida de sangue que meu corpo dava. E isso era muito mais dolorido do que o tiro. Fechar os olhos te força a olhar para as trevas que estão dentro de você.

Minhas forças estavam acabando junto com meu sangue, mas ainda havia sangue o suficiente para uma última tentativa.

Eu jamais conseguiria melhorar a situação, mas precisava impedi-la de ficar pior.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Metamorfose


Nem o vento ousava soprar
Enquanto eu repousava afastado.
Nuvens carregadas cobrem o céu
E trovões rugem com fúria destruidora.

Suas promessas vãs não me afetam mais,
Quer ver caos? Quer ver dor?
Você me deu a mão para me ver cair uma distância maior,
Mas ninguém pode me matar!

Você se acomodou enquanto eu estava no casulo,
Mas quando eu abrir minhas asas choverá fogo!
Assim você nunca esquecerá meu nome.
Eu não sou mais um, querida.

Não deixe os disfarces te enganarem,
Ao seu redor, todos querem sua derrota.
Antes eu farejava o ódio ao redor,
Agora eu sou a lâmina nas suas costas.

Me engane uma vez e a culpa é minha.
Me engane duas vezes, o mérito é seu.
Tente me enganar a terceira, mas só tente.
Estarei preparado para você.

A esperança de meses se vai em um segundo
E a destruição me cerca.
O trabalho de Deus é tristeza inacabável,
Caos eterno, abismo sem fundo.

Lá atrás você me dizia que sua vida era um marasmo.
Está tudo frio? Deixe o fogo esquentar as coisas,
Levando o de você o que foi levado de mim.
Destruindo tudo que um dia achei que fosse bom.

O fantasma da felicidade uiva nos meus corredores escuros,
Ela se foi tão rápido quanto pude dizer “não vá...”
Ela se foi por vontade própria e voltou por maldade própria,
Agora canalizo meu ódio através de um voo gracioso.

A bondade e inocência foram recompensadas com injustiça cruel,
Agora canalizo meu ódio nas portas do céu!

Eu não estava derrotado, estava evoluindo.
Uma metamorfose dolorosa e necessária.
Quando o amor se torna ódio, sabemos que estamos mais fortes.
Quando estamos mais fortes, rompemos o casulo e justiça é feita.

Você tem forças para pisar na cabeça de quem ama?
Pois quem te ama tem força e vontade de pisar na sua.
Olhe-a pelos lados e verá a máscara,
Olhe através da máscara e verá o horror.

Se isolar não significa fraqueza,
Significa querer distância para a segurança dos outros.
O casulo se rompeu em lágrimas de puro magma
E o calor sufocante te cerca pela última vez.

Meu mundo está quebrado, queimado e sem curso,
Mas o fogo também é o elemento da vida.
Então se você me queimar pelo prazer em ouvir meus gritos,
Me erguerei das cinzas e a farei comê-las.

O amor e confiança sofrem metamorfoses dolorosas,
Conforme as pessoas agem, impulsivas, sem pensar nas consequências.
Não há amor nem compaixão verdadeiros nesse mundo,
Abrace o vazio, pois no fim ele é tudo que nos resta.

E tudo se vai em menos de um segundo, 
Deixando destruição suprema.
E chove o sangue de deuses, 
Trovões rugindo com seus gritos, suas dores.

Nos sentamos desesperados 
Esperando que um milagre venha
E limpe toda a nossa impureza
E refresque todas as nossas queimaduras.

Mas veja como Deus desconta sua ira
Nos que só querem fazer alguém feliz.
É assim que nascem os monstros.
Pessoas amadas criam os monstros.

O começo é como o fim,
Tudo em um segundo.
E a felicidade lhe é roubada
Com a facilidade do primeiro sorriso.

Mais forte, mais sábio caminharei
Ignorando o canto da sereia.
Sem olhar nos olhos da serpente,
Sem me afetar pelo veneno de suas futilidades.

Não olhe direto para a luz,
Pois a chuva de fogo está caindo.
Você verá o quanto me machucou
Quando eu abrir minhas asas.

Tudo se foi em um segundo.
E eu queria que durasse para sempre...
Mas amor deve se tornar ódio.
É uma metamorfose necessária.

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