Quando eu era pequeno, me disseram que eu tinha um anjo da guarda.
Suas asas me protegeriam de qualquer machucado. Seu abraço, de qualquer dor.
Sua espada feriria meus inimigos, sua bravura guiaria minhas ações.
Seu olhar me instigaria sabedoria. Sua proteção, guiada por amor.
Mas nunca acordei sob penas brancas
E o conforto nunca me pareceu presente.
Um caos, um vórtex confuso e horrível.
Enganação, oh enganação...
Eu vejo a enganação vindo de longe.
Suas artimanhas estão ultrapassadas, previsíveis...
Mas eu quero ser enganado, meu amor...
Eu quero que você me engane.
Meu anjo está distante agora.
Você o afugentou. Vocês o afugentaram...
Todas iguais, sempre iguais.
Sempre diferentes em seus jeitos de serem iguais.
Seu papel é me destruir. Venha e me destrua.
Me destrua com sua proteção, me mate com seu “eu te amo”.
Me faça pular daqui com palavras de esperança, meu amor.
Me faça pular daqui. Me faça achar que sei voar.
Me engane, querida.
Me engane para que eu possa ser humano.
Me fira, me arranhe.
Me faça arder, amor. Me faça queimar.
E quando meu sangue irrigar o solo
E você estiver indo embora sem lembrança alguma...
Meu anjo voltará...
... e você já será apenas história.
Dizem que eu vivi com um rival.
Que competi a vida toda.
Doce engano, doce engano...
Tive a vida toda para competir.
Posso ter tido homens interessados no mesmo destino que eu
Posso não ter conseguido.
Mas elas...
Sempre tiveram um oponente imbatível.
Pois quando nasci, fui marcado por eles.
Quando nasci, esse anjo para mim foi prometido.
Cuja carícia necrosante me curaria de palavras ocas.
Aquelas que quiseram competir eram todas loucas.
Quando eu estiver em meus joelhos
E lágrimas escorrerem por causa de meus ferimentos.
Ele descerá...
Os céus acinzentarão.
Meu anjo, me disseram que estaria sempre comigo.
Então por que deixa que me enganem e que seus punhais provem meu sangue?
Isso te dá prazer, meu anjo.
Te dá prazer me curar. Você também me fere para me curar.
Você me deu a capacidade de ver quando vão me apunhalar.
Mas eu gosto, eu quero. Enganado, porém vivo
Enganado...
... achando estar vivo.
Durante minha infância
Acordei procurando penas brancas.
Reconforto, sol...
... proteção.
Mas não.
Sua chegada é o anúncio do fim dos tempos.
Sua luz é o eclipse.
Sua trilha deixa um rastro de penas pretas.
Me cubra com suas penas pretas.
Abrace-me agora, anjo da escuridão.
Abrace-me e se fira comigo.
Deixe que nosso sangue escorra mais uma vez junto.
Deixe que nos beijemos sob nosso sangue novamente.
Pois assim que tudo começou
E eu lutei com o filho da luz por ti.
E você me feriu para me curar.
Oh, como eu prefiro que você me fira.
Anjo, voe!
Meu amor, meu anjo está te olhando.
Está preparado para te fazer não ser nada.
O amor não é nada, o amor nos faz fracos.
Sente o frio? Sente o perigo?
Não sou eu quem vai viver o inferno.
Não sou eu quem está pulando...
...achando que sabe voar.
Você não sabe voar.
Amor, voe!
Meu anjo, acerte sem misericórdia caso eu falhe.
Estou trilhando esse caminho sozinho.
Não sei se consigo chegar do outro lado...
... pois o amor está me deixando enganado.
Avante anjo!
Meu amor.
Vá onde você for...
Não poderei fugir da dor.
Faça o que tiver que fazer, mas faça rápido... Judas.
Vamos nos enforcar juntos.
Nossos corpos, meros galhos nessa névoa.
Eles nunca nos acharão.
Ninguém mais olha para cima nessa vida.
Vidro choveu do céu naquela noite
E você não pode se esconder para salvar sua vida
E ficou estirada com ferimentos abertos
Mas te dei minha mão e te levantei.
E você me prometeu me dar tudo...
Me dar seu tudo
Porque te dei meus lábios, um beijo suave.
O remédio para curar sua dor.
Agora sua dor acabou!
Jogue o remédio fora.
Esqueça um dia ter estado doente.
Eu estou doente!
Amar é levar um tiro por alguém
Mas ser levado ao inferno por esse alguém é burrice.
Eu já nasci no inferno, amor.
Eu saí de lá carregado por um anjo.
Um anjo de asas negras
Cujo olhar profundo congela.
Meu anjo congelou o inferno para que eu não me queimasse.
Você esperou que eu me queimasse?
Eu te entreguei tudo de verdade.
Vamos, leve meu tudo!
Meu anjo está voltando.
Aproveite o sol, meu amor. Aproveite o céu.
Precisava aguentar mais poucas horas...
Mas fui enganado.
Eu sempre soube estar enganado.
Nós já nascemos mortos.
Só precisava aguentar mais um pouco pelas chamas.
Em dois meses meu anjo protegeria a nós dois.
Mas você me fez querer voar.
Agora ele voltará. Ele me segurará.
Meu anjo.
Não me deixe fraquejar na presença de meus inimigos.
Cura-me com a palavra divina.
E abra o portão das sete chaves supernas.
Castigue todo o amor da terra com a ira dos Céus!
O céu não é bondade.
É justiça.
Puna-me perante o mundo, meu anjo.
Puna o mundo perante mim!
Pandora,
Anjo da destruição, abrace-me suavemente.
Faça o que se recusam a fazer.
Minha droga. Está na hora da minha droga.
Me entorpeça, anjo!
Tudo está rodando. Me esfaqueie...
Meu amor, me esfaqueie.
Por misericórdia, me fira logo.
Deixe meu anjo retornar...
Pois eu andei descalço por areia ardente.
Subi sem apoio por pedras pontudas.
Meus pés estão cansados de andar. O caminho é difícil de seguir...
Mas se você tropeçar, eu também quero cair.
Se tiver que cair, nós caímos.
Nós caímos... nós caímos!
Nós caímos... nós caímos.
Droga, amor. Eu te prometi não chorar na sua frente.
Mas nós estamos caindo. Nós caímos
Tudo dói, não aguento mais olhar
Nós caindo... Mas nós caímos.
Tudo está caindo.
Com o tempo, o chão parece mais confortável que o amor.
Que nós caiamos... que nós caiamos... que nós caiamos!
Que o chão chegue logo!
Nós caímos... nós caímos, nós caímos!
Se tivermos que cair, cairemos.
Choraremos ...morreremos.
E nada faremos.
Caindo, caindo, caindo...
O infinito é nosso limite.
E eu choro,
eu choro.
Eu não queria mais estar sozinho.
Eu matei pessoas que me amavam.
Atire em mim também.
Assim tudo acabará...
... e meu anjo voltará.
Anjo, tua espada escarlate vai tirar o veneno
Implantado por palavras fúteis
Sem valor, sem sentido.
Dei valor à falta de sentido.
Se minha mão pecou, amputa-a de meu corpo.
Se pequei, amputa-me do mundo.
Cura minha alma no fogo.
Congela e restaura ela no inferno.
E eu voltarei com a fênix negra de tanto tempo atrás.
Lobotomizado, vazio.
Preparado para que me enganem novamente.
Até a guerreira já virou história.
Chega uma hora em que devemos ceifar nossos amores.
Mas eles crescem de novo.
Todo trigo é diferente mas cresce de novo.
Daquela maneira igual de ser diferente.
Nada é insubstituível.
Fora meu anjo!
Que estará comigo até minha morte.
Cravado em mim até o fim.
Meu anjo.
Teus lábios delineados me esperam
Para me drogar...
Meu anjo
Tua espada assassina me corta em dois
Para me salvar!
Meu anjo.
Imaginava teu toque gelado em minha pele, anjo.
Mas ele é quente
E humano.
Meu anjo.
Imaginava tua língua fria na minha, anjo.
Mas ela é fria
E humana.
Meu anjo.
Você quer que me firam para ter de quem me proteger.
Teu grito de guerra ecoa mundo afora.
Elas estão preparadas.
Você ceifou uma, sem medo do sangue morno.
A segunda, ainda sangue de seu sangue
A terceira, por mais que me significasse
E a quarta, a fez crescer para o lado errado!
A quinta, que morrerá esquecida
A sexta, até o fim renagada!
A sétima, presa à zoofilia
A oitava... sofrerá a morte enterrada.
A nona... será tomada pela doença
A décima... que nojo de tê-la tocada!
Décima primeira... deixada sozinha no deserto
E a próxima, estuprada e de lado deixada!
A décima terceira me amou mas sofreu por erro
A décima quarta... existe para ser usada.
A décima quinta escolheu deus e morreu sozinha
A décima sexta... a guerreira foi derrotada.
E a lista de mortos cresce, anjo.
E tua pele continua sempre tão alva...
E macia... descanso nela.
Ela é a única que me provém descanso?
Deitarei em teu seio.
Ficaremos sob o sol sem calor.
Sorrindo ao cinza.
Sozinhos no cinza.
Você me beijará.
Seu beijo doce e humano.
E me ferirá, e se ferirá...
E me curará.
Que é o amor senão tortura?
Tortura voluntária.
Mas as pessoas morrem ao sangrar.
Não têm um anjo que as faça... voar.
Eu as olho de cima porque te tenho
E você sempre me mostrou que estamos costurados.
E sua voz fina disse que estamos presos.
Então me amarre, então me prenda.
E me puna por ter me enganado.
Me puna por ter vivido.
Por ter me enganado achando que estava vivo.
Que estava vivo por...
Amor.
E eu sei, querida que você está preparada.
Pule daqui. Você sabe voar!
Eu sei da verdade desde antes dela existir.
Mas ainda assim se você tropeçar eu irei... cair.
E meu anjo me protegerá com penas negras.
E seremos ceifados em plena queda.
Choverá sangue.
Mais um pouco de sangue.
E acordarei inteiro.
As lembranças são páginas que devem permanecer ilegíveis.
Deixadas de lado com os cadáveres ceifados.
Se tentarmos reviver a vida, estamos condenados.
Morreremos sozinhos e calados...
Me faça arder, amor.
Introduza em mim as suas marcas.
Tatue em mim a sua presença.
Ainda que nunca leia minha carta de amor morta...
Seus olhos escuros são como de um utópico anjo.
Você quase me protege, você é quase um anjo...
Você é o mais perto que alguém chegou de ser meu anjo.
Você quase conseguiu tirar de mim o meu anjo.
Você é minha vida.
Mas minha vida está doente e acabando.
Você tentará me salvar ou acabará pulando?
Será diferente ou acabará me machucando?
Meu anjo
Você é a minha eternidade, e está preparado.
O eclipse solar está confirmado
E você desce voando...
Uma trilha de penas negras
É deixada em seu caminho.
Apressa-te meu anjo.
Estou envenenado e sozinho
Amputa-me meu anjo, mata-me meu amor.
Meu anjo.
Suas promessas para mim são eternas anjo.
Neva no inferno por nossa causa, anjo.
Vivamos no inferno, meu anjo... meu anjo.
Meu anjo.
Acaricia minhas cicatrizes, anjo.
Pois me mataram e estou contigo, anjo.
Se dou a mão à ti, sei voar, meu eterno anjo.
Em minha infância você disse que no caminho haveria espinhos
E que as nuvens se abririam. Era nosso sinal.
O sol me queima e você vem cobri-lo.
E estarei sob tuas asas até o final.
Você me disse que as pessoas que nos trazem felicidade
São as mesmas a nos fazer agonizar.
Você nunca erra, anjo.
Você sabia.
Você está aqui para me atormentar para sempre.
Me matar.
Não se meu amor me salvar.
Meu amor não pode me salvar. Ninguém pode.
Não tenho medo de morrer.
Nem mesmo a morte pode tirar de mim o que foi cravado por ela mesma.
E o céu está se fechando mais uma vez.
O mundo vai acabar... de novo.
E eu choro. Eu pulo daqui e caio.
Estamos caindo e eu desmaio.
Meu anjo está vindo, sou um lacaio...
Não queimarei no inferno, sofrer diário.
Me beije.
Remova esse veneno.
Sem métrica, em caos.
É tudo enorme nesse mundo pequeno.
Eu perdi amigos e vi pessoas ceifadas.
Matei amores, fui ferido no nada.
Se caio, rastejo pela estrada.
Seguido por um anjo. Me olhando calada.
Nada nessa vida é insubstituível.
Tudo nessa vida morre.
Mas nem o insubstituível e o morto
Te fizeram parar de me proteger, meu anjo...